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A história de Alfred Rosenberg, que aos 16 anos é obrigado pelo diretor de sua escola a estudar a vida de Bento Espinosa, judeu português, porque Alfred fizera comentários antissemitas durante uma aula. Mais tarde Alfred Rosenberg torna-se um admirador do nazismo e um fiel colaborador de Hitler.
Mas, se voce está pensando que a minha obra pode jamais vir a ser divulgada para um público mais amplo, está provavelmente certo. É bem possível que as minhas ideias tenham de esperar mil anos.
Os dois homens ficaram em silêncio, até que Bento acrescentou:
- Assim, considerando tudo que eu disse sobre a confiança que tenho na razão, entende por que me oponho a ler e dizer textos e orações sem levar em conta o seu conteúdo? Essa divisão interna não pode ser boa para a saúde da sua mente. Não acredito que um ritual possa conviver com a mente racional alerta. Acredito que os dois são antagonistas ferrenhos.
- Não vejo o ritual como algo perigoso, Bento. Lembre-se que fui doutrinado nas crenças e nos rituais tanto católicos quanto judaicos e, nos últimos dois anos, venho estudando também o islamismo. Quanto mais eu leio, mais fico impressionado ao ver como todas as religiões, sem exceção, inspiram um senso de comunidade, utilizam ritual e música, e desenvolvem uma mitologia repleta de histórias de feitos miraculosos. E todas as religiões, sem exceção, prometem uma vida eterna, contanto que a pessoa viva de acordo com alguma forma prescrita. Não é notável que religiões surgidas de forma independente, em diversas partes do mundo, sejam tão semelhantes entre si?
- E o que pretende dizer com isso?
- O que pretendo dizer, Bento, é que, se os rituais, as cerimônias e, por que não, também a superstição estão tão profundamente entranhados na própria natureza dos seres humanos, talvez seja legítimo concluir que nós, humanos, precisemos disso.
- Eu não preciso. Crianças precisam de coisas que os adultos podem dispensar. O homem de dois mil anos atrás precisava de coisas das quais o homem de hoje já não precisa. Acho que o motivo para a existência da superstição em todas essas culturas é o fato de o homem antigo viver aterrorizado com a condição misteriosamente caprichosa da existência. Ele não dispunha do conhecimento que poderia lhe dar aquilo de que ele mais necessitava: explicações. E, nesses tempos antigos, ele se aferrava à única espécie de explicação disponível, o sobrenatural, com orações, sacrifícios, regras kosher e ...
- E? Continue, Bento. Que função desempenha a explicação?
- Ela tranquiliza. Alivia a angústia da incerteza. O homem antigo queria sobreviver, tinha medo da morte, via-se desamparado diante de boa parte daquilo que o cercava, e a explicação proporciona a sensação, ou pelo menos a ilusão, de controle. Ele concluiu que, se tudo o que acontece tem origem em causas sobrenaturais, talvez devesse encontrar um meio de aplacar esse sobrenatural.
- Não é que eu discorde de você a esse respeito, Bento, mas simplesmente o nosso método é diferente. Mudar velhas formas de pensar é um processo lento. Não se pode fazer tudo de uma vez. Qualquer mudança, mesmo interna, deve ser lenta.
- Você tem razão, sem dúvida alguma, mas também tenho certeza que boa parte dessa lentidão é resultado da tenacidade com que os rabinos e os padres mais velhos se aferram ao poder. Era assim com o rabino Mortera, e continua sendo assim com o rabino Aboab. Mais cedo, estremeci ouvindo você descrever como ele insuflou a crença em Sabbatai Zevi. Passei toda a minha infância e juventude em meio às superstições e, mesmo assim, fico chocado ao ver todo esse frenesi em torno de Zevi. Como os judeus podem acreditar em tamanho absurdo? Parece impossível superestimar a capacidade que essa gente tem de ser irracional. A cada piscar de olhos, nasce um idiota em algum lugar do mundo.
Franco terminou de comer a sua maçã, sorriu e perguntou:
- Posso fazer uma observação à moda de Franco, Bento?
- Ah, a minha sobremesa! Poderia haver coisa melhor? Deixe eu me preparar - disse Espinosa, recostando-se e ajeitando-se nas almofadas. - Acho que estou prestes a aprender algo a meu respeito.
- Você disse que precisamos nos libertar da servidão das paixões e, no entanto, hoje, a sua própria paixão se manifestou várias vezes.
Embora você tenha sido absolutamente compassivo com o homem que tentou matá-lo mostra-se exaltado contra o rabino Aboab e aqueles que optaram por aceitar o novo Messias.
- É verdade - replicou Bento, assentindo também com um aceno de cabeça.
- E digo mais: você também foi mais compreensivo com aquele criminoso judeu que diante das convicções da minha esposa. Não é mesmo?
Bento assentiu novamente, mas, desta vez, com certa hesitação.
- Prossiga, professor - disse ele.
- Certa feita, você me disse que as emoções humanas podiam ser entendidas como linhas, planos e corpos. Certo?
Mais um aceno de cabeça.
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Desde 2013, quando a editora Agir lançou “O Enigma de Espinosa” que o livro estava na minha lista para leitura. Na época li alguns comentários favoráveis ao autor que recebera o Prêmio Internacional de Psicoterapia Sigmund Freud, em Viena, Áustria